Pular para o conteúdo principal

Postagens

A FILHA DO PALHAÇO (2022) Dir. Pedro Diógenes

Texto de Marco Fialho A Filha do Palhaço , novo filme do cearense Pedro Diógenes, um egresso do criativo ajuntamento cinematográfico Alumbramento, reafirma a temática interpessoal como a mais forte de sua recente filmografia solo. A busca por uma narrativa terna marca uma abordagem que antevê as relações humanas dentro de um espectro contemporâneo marcado pela diversidade de gêneros.  Pai e filha estão no centro da narrativa e da mise-en-scène de A Filha do Palhaço , Joana (Lis Sutter) e Renato (Démick Lopes). Pedro Diógenes constrói um filme sobre a aproximação desses dois personagens que anseiam resgatar um tempo perdido pela ausência forçada pelos caminhos imprevisíveis e tortuosos da vida. Na reconexão entre pai e filha está a beleza de uma narrativa fluente que Diógenes impõe ao seu filme. Como já havia feito em Inferninho (2019), Diógenes faz uso de uma fotografia que por vários momentos é impregnada por um universo que beira o onírico e muito realiza isso por meio de Silvanelly,
Postagens recentes

O MAL NÃO EXISTE (2023) Dir. Ryusuke Hamaguchi

Texto de Marco Fialho O Mal Não Existe é o filme mais engajado politicamente do diretor japonês Ryusuke Hamaguchi. Depois de obras mais filosóficas e existenciais como Roda do Destino (2021),  Drive My Car (2021),  Asako I & II (2018), o diretor aterriza na denúncia contra o ambicioso mundo da impessoalidade e arrivismo capitalistas. O que Hamaguchi imprime uma narrativa exponencial amparada em um misto de encanto e revolta.  Em O Mal Não Existe vemos um diretor em franco processo de amadurecimento técnico, apegado à simplicidade e disposto a colocar as cartas na mesa. A história narra a vida de uma pequena comunidade que vive à margem de uma floresta próxima a Tóquio, moradores conscientes dos benefícios de se ter uma vida com acesso a uma água límpida, todos usuários sustentáveis dos bens naturais que o cercam. Takumi (Hitoshi Omika) é o personagem central, que vive isolado com sua jovem filha de 12 anos e o maior conhecedor da natureza do local. A implantação de um grande hotel

LUZ NOS TRÓPICOS (2020) Dir. Paula Gaitán

Texto de Marco Fialho O primeiro comentário que cabe a Luz nos Trópicos  é que essa é estruturalmente uma obra anti-épica. Há um elemento diacrônico presente, mas jamais utilizado com o intuito causal, pois a relação tempo-história é proficuamente aberta, passível de leituras diversas e amplas. Não se esgota jamais, nem antropologicamente, nem por qualquer outro viés de análise. As suas quase 4 horas e meia de duração são na verdade ilusórias, pois o tempo estendido sentido no filme nos convida a passear por tempos esparsos e culturas díspares, o que faz o tempo parecer mais dilatado ainda, tornando a tentativa de sua mensuração algo estéril e ineficaz.   Sem dúvida, a maior de todas as viagens de Luz nos Trópicos  é a sensorial. Somos convidados a simplesmente fruir, sentir sensações que as imagens e sons (sim, eles são muito vibrantes aqui) estão a provocar. Logo nas primeiras imagens do filme somos entregues às texturas. Imagens de uma Nova York distante, impregnada por um filtro av

LA CHIMERA (2023) Dir. Alice Rohrwacher

Texto de Marco Fialho A diretora Alice Rohrwacher tem se revelado uma artista criativa, que caminha em um terreno instável entre a realidade, o onírico e a história. Antes de La Chimera, filmou dois longas consistentes: Lazzaro Felice (2018)   e As Maravilhas (2014). Considero Alice uma herdeira cinematográfica profícua de Federico Fellini, por essa capacidade fantástica de falar da Itália por meio de imagens vindas do universo popular, juntando fábula com um realismo.  La Chimera  já se contamina pelo onírico logo na cena de abertura, onde Arthur (Josh O'Connor) é transpassado por uma dupla imagem de um sol inatingível, um que está tatuado nas costas de sua amada Beniamina (que encontra-se desaparecida ou morta) e um que ele vê se perdendo em um pôr-do-sol numa viagem de trem que o leva de volta à Toscana em busca desse amor perdido. Ele esteve preso por violar túmulos etruscos no passado, junto com um grupo de bandidos ordinários, e agora vai continuar a vagar entre o passado e o

DORIVAL CAYMMI - UM HOMEM DE AFETOS

Texto de Marco Fialho O filme de Daniela Broitman parte de uma conversa inédita de Caymmi na casa de um amigo. Mas não se detém só a isso, explora ainda a visão de familiares, empregada e principais amigos sobre ele, além de alguns registros em vídeos mais antigos.  Apesar de recentemente se ter filmado filmes sobre o compositor baiano, o documentário de Broitman revela particularidades interessantes de Caymmi, sem idolatria de sua personalidade e até questionando ideias sempre partilhadas de que ele era muito calmo. Vários relatos de familiares escapam um Dorival difícil de lidar no cotidiano, fora dos holofotes.  Caymmi também é retratado por todos como um mulherengo incurável, o que desagradava Stela, sua esposa. Inclusive é curioso não se ter uma fala de Stela, apesar de que muito se fala no documentário da presença forte dela na vida do compositor. Entretanto, essas revelações em nada suprimem o afeto como marca principal de sua personalidade tanto musical quanto pessoal.  Mesmo q

AUMENTA QUE É ROCK'N ROLL

Texto de Marco Fialho Aumenta que é Rock'n Roll , dirigido por Tomás Portella, é um filme sobre os sonhos de um homem que tornam-se rapidamente o de uma geração. A história é tão envolta de casos surpreendentes que ficamos na dúvida de quanto ali é inventado ou aumentado, o que me remeteu de imediato à maxima e célebre frase "quando a lenda se torna fato, imprima-se a lenda", extraída de O homem que matou o facínora , de John Ford.  A história de Aumenta que é Rock'n Roll  é baseada no livro de seu principal protagonista, Luis Antônio Mello, no filme interpretado com muito empenho por Johnny Massaro. O diretor Tomás Portella salienta na narrativa muito do tom bem- humorado e imprime um ritmo avassalador à obra cinematográfica. Às vezes chega a ser difícil respirar pela intensidade rítmica que nos atravessa com muita força. Alguns respiros seriam muito bem-vindos, o que realmente não acontece.    Os absurdos desse enredo são tantos que ficamos sempre de olho na possibi

ZONA DE EXCLUSÃO (2023) Dir. Agnieszka Holland

Texto de Marco Fialho Zona de Exclusão , filme dirigido   pela experiente diretora polonesa Agnieszka Holland ( Filhos da Guerra , Jardim Secreto ,  Eclipse da Paixão ),   trata de um dos temas mais necessários e graves de nossos tempos: o dos refugiados. E olha que eles não são poucos nesse mundo tomado pelas guerras, em especial, as que se sucedem no continente asiático. Nessa trama, se aborda refugiados vindos da Síria que tentam superar as fronteiras entre Belarus e Polônia, numa saga que beira o interminável. Agnieszka Holland opta por filmar um suspense com altas doses dramáticas, em um preto e branco soturno, que torna as imagens mais graves do que já seriam se fossem coloridas. Mas esse é um tema em que a carga emocional pode pesar e interferir no resultado final do filme, sobretudo na fluência narrativa. A diretora se engaja de tal forma ao tema que notamos uma mão pesada em diversas das cenas. Se Zona de Exclusão não chega a descambar para o melodrama, podemos dizer que se in

E A FESTA CONTINUA! (2023) Dir. Robert Guédiguian

Texto de Marco Fialho  O diretor Robert Guédiguian reúne em E a festa continua! vários de seus temas mais recorrentes: a viabilidade da luta política de esquerda, a questão dos armênios, a crise geracional, Marselha como cenário, um cinema simples e os seus dois atores preferidos. Essa é a mistura na qual o cineasta se sente mais à vontade para fazer um filme encantador e aqui não é diferente. O melhor do filme é a leveza que transpira pelos seus poros, uma afetividade que Guédiguian sabe filmar como poucos.  Há uma profusão de personagens em E a festa continua! , mas são Ariane Ascaride (Rosa) e Jean-Pierre Daurrossin (Henri) que dominam o melhor da cena. Claro, que o background de já ter trabalhado em quase todos os filmes de Guédiguian ajuda nessa química, pois tudo parece muito familiar nesse filme, além da própria ideia de família está impregnando a história como um todo. Não só os dois protagonistas, mas também a maioria dos atores e atrizes em cena já fizeram filmes com Guédigu

NÉVOA PRATEADA (2023) Dir. Sacha Polak

Texto de Marco Fialho  Névoa Prateada , dirigido por Sacha Polak, é um drama duro que acompanha a trajetória de Franky, papel vivido pela atriz Vicky Knight, que entrega muita intensidade nas cenas, uma jovem enfermeira que luta contra um difícil passado que deixou marcas visíveis em seu corpo. A diretora vai abrindo constantemente janelas para Franky, mas cena a cena vai fechando cada uma delas, como se essa procura fosse em vão e só resultasse em fracassos.  Durante toda a trama, a protagonista enfrenta problemas de variadas naturezas, como o preconceito de sua família quando Franky assume um relacionamento lésbico com uma ex-paciente do hospital em que trabalhava. A diretora Sacha Polak aborda frontalmente a agressividade da sociedade em relação à sexualidade de Franky. Agressões explícitas são feitas contra ela e a namorada em um ônibus pelo namorado da irmã.  O filme trata das oscilações desse novo relacionamento, e aos poucos, das rosas sobram apenas os espinhos. Os personagens v

SEM CORAÇÃO (2023) Dir. Nara Normande e Tião

Texto de Marco Fialho Sem Coração , dirigido por Nara Normande ( Guaxuma , de 2018) e Tião ( Animal político , de 2016), foi selecionado para participar da mostra Orizzonte, no 80° Festival Internacional de Cinema de Veneza, em 2023, tendo sido muito bem recebido à época. Para mim, o filme funcionou como uma viagem sensorial a um universo muito próprio, o de um lugarejo praiano não urbanizado, a princípio sedutor, mas que aos poucos revela os matizes da desigualdade socioeconômica brasileira.   O que a diretora e o diretor de Sem coração costuram a todo instante são as camadas que vão sendo desvendadas, em especial, as discrepâncias entre o mundo dos despossuídos e dos que vivem do privilégio inerente à sua histórica condição social. Esse é o cerne desta obra profundamente sensível, que se mostra empática com muitos dos personagens, em especial com Duda (chamada de Sem coração devido a uma cicatriz que tem no peito), interpretada com muita sensibilidade por Eduarda Samara, e com Tamar